quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Rita Apoena:

Ontem os seus olhos doeram em mim. E como pode um olhar
doer em alguém uma dor tão limpa, rabiscar de azul o
silêncio que estendi pelos cantos no chão? Tive tanto medo
de encontrá-los, tive medo de levantar os cílios e eles se
deitarem feito um pássaro em tuas mãos tão claras, e
descobrires o que eu já não posso evitar. Tive medo de
notares o quanto eram indefesos diante dos teus... Por isso,
tratei de escondê-los por trás do quadro, dos ferros na
janela, da cortina, do tapete, das pétalas, colocando-se
diante de minhas pálpebras, enquanto eu falava qualquer
coisa para me esconder por trás das palavras.

Mas foi quando eu ainda nem havia dito nada, foi quando eu
ainda nem te conhecia, foi na fresta que, por descuido,
esqueci aberta... que teus olhos doeram em mim, caíram em
mim e me mancharam de tinta. Não sei o que era ali dentro
deles, se a minha tristeza ou a tua, mas nunca vi olhos tão
claros, nem outros que ofuscassem tanto a minha vida.

Agora eu viro para o lado e não quero mais que o outro me
siga, não quero mais que o outro me toque porque tocar as
minhas costas é empurrar a manhã para o meio das nuvens,
entende? Uma manhã que era toda feita para colher as
maçãs, as maçãs que eu enrolaria doces numa forma para te
dar. Por isso, quando ele me tocou, duas lágrimas eu aninhei
no travesseiro, e escorri com elas, e dentro delas esperei
que ele tocasse o meu corpo. Só voltei quando ele acabou.

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